(Reportagem de Adriana Cotias ao Valor Econômico, publicada em 25/01/2017.)
O investidor que comprou debêntures de infraestrutura da NC Energia, empresa do grupo Neoenergia, em outubro de 2015, foi surpreendido, no fim do ano passado, por um pagamento superior àquele que estava previsto no cronograma de amortização dos papéis.
Conforme informou o executivo de um private banking a seu cliente – documento ao qual o Valor teve acesso -, a empresa pagou em dezembro R$ 108,46, mas o correto seria R$ 17,47. Pela explicação, que teria sido obtida pelo banco com o agente fiduciário, o valor corresponderia ao IPCA acumulado no período, de R$ 90,59, mais amortização de R$ 17,47. Adicionalmente, em juros a companhia pagou R$ 104,06, conforme consta no calendário de eventos disponível na Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Quem recebeu a mais poderia até comemorar o feito. Mas não é bem assim, porque pode estar com uma batata quente na mão. Como nem a companhia nem a Planner, o agente fiduciário da operação, informaram o equívoco ao mercado, se porventura alguém comprar os títulos numa negociação secundária corre o risco de adquirir um ativo que pode ficar sem proventos por um bom tempo, dependendo da solução que seja dada para o caso.
A NC Energia levantou R$ 31,6 milhões em debêntures com vencimento em dezembro de 2025, com a intenção de destinar os recursos a investimentos da Potiguar Sul Transmissão de Energia, na concessão referente à Linha Grande III – Ceará Mirim II. Trata-se de um projeto sob a Lei 12.431, autorizado pelo Ministério de Minas e Energia, dando isenção aos investidores que adquiriram os papéis. Considerando-se as 31,6 mil debêntures que foram emitidas mais as informações públicas sobre os proventos, a companhia fez um desembolso de R$ 6,7 milhões entre amortização, juros e correção pelo IPCA. Se os números informados pelo profissional do private banking ao cliente estiverem corretos, o pagamento deveria ser de pouco mais da metade disso.
Procurada pelo Valor, a Planner, responsável por zelar pelo interesse dos debenturistas, não informou qual valor, de fato, deveria ter sido pago aos investidores. A responsável pela área, Viviane Rodrigues, apenas afirmou que foi a corretora que alertou a empresa emissora para a inconsistência, mas que não houve prejuízo para os investidores. “A companhia, por algum motivo, fez uma interpretação equivocada e pagou a maior, mas ainda não expôs como pode ser feito o acerto”, afirma. “[A empresa] está averiguando se é possível ter o estorno do recurso ou algum tipo de compensação”, completou.
“Esse assunto está sendo avaliado internamente e, no momento, a empresa ainda não pode se manifestar a respeito”, escreveu a NC Energia em nota por meio da sua assessoria de imprensa, após consulta da reportagem.
Num momento em que as debêntures de infraestrutura – que asseguram isenção de Imposto de Renda ao investidor pessoa física – prometem ganhar terreno entre os títulos incentivados, essa era uma discussão que o investidor não precisava assistir.
“Quando o mercado olha quanto vale o papel, não sabe quanto foi pago de proventos a mais”, diz Marcelo Klug, sócio da Aquila Consulting Partners. “E como não houve nenhuma comunicação ao mercado, algum dia ele pode ter que assumir um prejuízo que desconhece e talvez já nem seja mais dono do papel.” O mais grave, acrescenta, é se a companhia resolver compensar nos próximos pagamentos semestrais. “O comprador das debêntures no secundário poderia ficar anos sem receber nada.” O especialista vê no caso uma flagrante falta de transparência, pois a informação não circulou de maneira uniforme entre os investidores. “As companhias de menor porte começam a emitir títulos de dívida, querem condições públicas, mas talvez não estejam preparadas para o ambiente regulatório.”
Embora as debêntures de infraestrutura tenham mais liquidez no secundário do que as debêntures tradicionais, os papéis da NC Energia não aparecem como listados na BM&FBovespa, o que atenua possíveis danos. Foram emitidos sob as regras da instrução no 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que tira a obrigação de registro prévio na autarquia quando os ativos são direcionados a um público restrito – de no máximo 50 investidores profissionais, com mais de R$ 10 milhões em aplicações financeiras. Após 90 dias da emissão, esses ativos podem ser negociados no secundário por investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão em recursos.
Desde 12 de janeiro, o valor das debêntures não é atualizado na base da Anbima ou da Cetip e o título passou a constar como de cálculo “não padronizado”. Uma nota no site da Anbima informa que, “devido a divergência com relação ao PU [preço unitário] de pagamento no evento de amortização realizado em 15/12/2016, verificado junto ao agente fiduciário, o ativo deixará de ter seu PU calculado diariamente pelo sistema a partir desta data [11 de janeiro], até que seja equacionada essa questão entre a emissora e o agente fiduciário”. Procurada, a Cetip não respondeu à reportagem.
Como a NC Energia não é uma companhia de capital aberto, não há acompanhamento da CVM para o caso. Fica a critério da Neoenergia, esta sim aberta, divulgar o que considera informação relevante ao mercado.